quinta-feira, 7 de agosto de 2008

quinta-feira, 31 de julho de 2008

A Tradição do Bará do Mercado - Os Caminhos Invisíveis do Negro em Porto Alegre


O príncipe Osuanlele Okizi Erupê desembarcou no Brasil no final do século XIX. O mundo novo, para o filho do rei Ovonramwen, da tribo nigeriana dos Benis, era a Bahia ou o Rio de Janeiro. Mas a viagem só chegou ao fim no porto de Rio Grande - local ainda menos central e, portanto, mais distante de sua terra natal assolada pelas disputas por ouro. Com o nome alterado para Custódio Joaquim Almeida, o nobre africano se estabeleceu em Pelotas. Depois, em Bagé. Em 1901, segundo relato de seus descendentes, teria sido convidado por Júlio de Castilhos a se mudar para Porto Alegre. Seria o príncipe a última esperança do então presidente do Estado para curar o câncer na garganta que lhe mataria dois anos depois.
Fixou residência à Lopo Gonçalves, 498. Registros de jornais indicam que viveu com pompa e desfrutando de prestígio na cidade. Era proprietário de cavalos de corrida, portava-se em público com elegância e recebia, em casa, líderes políticos como Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas. E também, é claro, a grande população que recém saíra da escravidão e estava em busca de conselhos e proteção.
Nos redutos negros de Porto Alegre, a figura de um líder espiritual fazia toda a diferença. Príncipe Custódio acabou por exercer naturalmente esse papel. Entre suas ações estão os assentamentos de Bará ao longo da Capital. Bará é um dos guias das religiões de matriz africana, é o orixá da abertura de caminhos e da fartura. Assentamento é o ritual de estabelecimento de um local para o seu culto, com a fixação - subterrânea - de um objeto de ferro, pedra ou madeira.
Dois desses assentamentos ficavam perto da Igreja das Dores e no próprio Palácio Piratini. Outros jamais tiveram sua localização revelada - a manutenção do segredo só reforçava seu caráter de proteção; conhecendo sua posição, os detratores das religiões afro ou os ex-senhores de escravos, na visão dos ex-cativos, poderiam destruí-los.
O mais marcante deles é o do Mercado Público. Primeiro, porque está num ponto de convergência, construído pelos negros e freqüentado diariamente por 30 mil pessoas de diversas origens. Segundo, por sua resistência: o edifício sobreviveu a três incêndios, em 1912, 1976 e 1979, e à grande enchente de 1941. Seu santo forte, dizem os babalori-xás, deve-se muito ao assentamento que passou a ser chamado de Bará do Mercado.
Mas não são muitos os que conhecem essa história. Na reforma do prédio, em meados dos anos 90, os pais-de-santo pediram que a Banca Central, que marca o exato ponto do assentamento, não fosse deslocada. Foram atendidos em parte - o espaço do Bará continuou preservado, mas sem a escolta da banca e de seu balcão de carnes, presuntos e pães diversos.
- Depois daquilo, decidimos nos mobilizar - diz Mãe Norinha de Oxalá. - Porto Alegre não pode desconhecer as suas próprias tradições.
Mãe Norinha idealizou um grupo de trabalho que depois virou a Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras. Entre as ações da entidade estão o livro e o DVD A Tradição do Bará do Mercado - Os Caminhos Invisíveis do Negro em Porto Alegre. Realizados pela Secretaria da Cultura da Capital e patrocinados pela Petrobras, os dois serão lançados hoje, Dia da Consciência Negra, às 15h30min, no centro do Mercado.
- O próximo passo é a instalação de um cofre no local - projeta Miriam Avruch, coordenadora de Memória da prefeitura. - O ritual de culto ao Bará indica que se joguem sete moedas ao orixá. Hoje essas moedas ficam expostas, no chão. Ao serem recolhidas, elas poderão ser doadas.
A tradição das moedas, explica Mãe Norinha, tem relação com o material do assentamento:
- O axé está numa caixa de ferro de 20x40cm.
De caráter acadêmico, livro e filme não descartam outras versões menos badaladas da história - como a que indica que o Bará do Mercado teria sido implantado pelos escravos sem a intervenção de Custódio.
- Mas foi o príncipe - garante Mãe Norinha. - O que ocorreu é que, no intuito de preservar o Bará, quando foi repassada oralmente, a história muitas vezes acabou distorcida.
Custódio morreu em 1935, aos 104 anos. O nobre africano não formou nenhum filho-de-santo. Porém, seus descendentes se espalharam pelo Estado e foram fundamentais na constituição do batuque no Rio Grande do Sul.

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

Há uma gritante preocupação, por parte de alguns dirigentes de casa de Nação (ou até mesmo, de Umbanda) em relação às críticas recebidas pela comunidade leiga, dita defensores dos animais, quanto ao ritual de corte.
Penso que não devemos nos afligir com estas críticas e, muito menos, com as correspondências que nos são enviadas em tom de ameaça.
Sabemos que a prática séria e com fundamento da nossa liturgia, inclui todo o cuidado e respeito aos animais; não somente para com os animais utilizados nos rituais, como para toda a flora e fauna. Pois é visível que nossa doutrina visa esta integração profunda com a natureza, da qual nossos sagrados Orixás fazem parte e sem este vínculo ecológico, não existiria a nossa religião.
Logo, temos que nos tranqüilizar e receber estas críticas como positivas para, com elas, esclarecer nossos fundamentos a ponto de torná-los inteligíveis a toda comunidade. E se ainda assim, não conseguirmos aplacar a ira dos nossos críticos, citemos a Declaração dos Direitos do Homem (aprovada em resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia das Nações Unidas) em seu Artigo XVIII, onde diz:
“Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito de mudar de religião, ou crença, e a liberdade de manifestar essa religião, ou crença, pela prática, pelo culto, pela observância isolada ou coletivamente, em público ou particular.”
Cito ainda, na Constituição Federal Brasileira de 1988, os Artigos V, VI, VII e VIII.

AXÉ

De todas as definições possíveis para a palavra AXÉ, já que é amplo os significados atribuídos a esta palavra sagrada, ficamos com a “FORÇA”, logo, quando falamos em axé, estamos nos referindo à FORÇA. Mas que força? É a força mágico-sagrada, a energia que fui entre todos os seres, todos os componentes da natureza. Vou dar um exemplo fisiológico de axé: através dos neuro transimissores, acontece o funcionamento do cérebro. Todo o funcionamento do nosso ser depende de nossa massa encefálica. Qualquer movimento, pensamento e até o repouso é controlado pelo nosso cérebro; que consegue armazenar milhares de informações com uma precisão incrível. Tudo isto só é possível porque ocorre um fenômeno de comunicação entre os neurônios, que são células nervosas, que por sua forma alongada, conseguem através da sinapse. São pequenas descargas elétricas disparadas entre um neurônio e outro. Aqui, neste exemplo, temos AXÉ.
Para nós religiosos, ao designar aquilo que, no mundo, é significativo e poderoso apontamos para seres e objetos, que mais força possuem. Mas, sabemos que a intensidade desta energia varia. Ela pode aumentar ou diminuir. Como tudo no mundo, é sujeita ao desgaste com o tempo. Então, os rituais que realizamos objetivam adquirir, manter, transferir e aumentar, esta força chamada de AXÉ. Logo, podemos dizer que a essência dos rituais é, precisamente, a fixação e o desenvolvimento do axé. O fenômeno ritualístico é o que proporciona a manutenção do axé.
Por isso, quando se funda um templo diz-se que estamos “plantando um AXÉ”. Como uma semente, o axé vai crescer e desenvolver-se, graças aos sacrifícios, às festas, à participação constante dos Orixás e dos homens. Neste plantio de axé, se espera que esta semente brote e se desenvolva numa árvore frondosa, com muitos frutos. Quem dá a semente, é o Babalorixá ou a Yalorixá. Aí está a importância de uma feitura, como também, a responsabilidade do filho, em fazer esta semente brotar. Sabemos que muitos recebem o Axé, mas não fazem a manutenção. Aliás, recordo-me de um experiente Pai de Santo, de Porto Alegre – RS, quando perguntei o porquê do toque dos batuques, em relação da necessidade de fazer-se festas para os Orixás, respondeu: “Ah! Meu filho, casa que não toca para o seu Orixá, não anda, pois é um dos maiores fundamentos do Batuque.”.
Mas qual é o princípio do AXÉ?
O princípio do Axé é a quintessência da energia que se encontra na natureza (lembrando que o homem também faz parte da natureza) e é obtida a partir de uma química específica retirada de elementos fundamentais que se encontram em fontes minerais, vegetais e animais. Estes elementos obedecem a uma qualidade simbólica precisa, ligada ao significado das cores, que são elas: a cor vermelha, a cor branca e a cor preta.
O elemento vermelho, necessário no plantio do AXÉ, como na sua manutenção, está presente no sangue dos animais sacrificados. O sangue vegetal é fornecido pelo azeite-de-dendê (amarelo cor de abóbora, considerada uma variedade da cor vermelha), também pelo mel, com o mesmo motivo. Os metais portadores deste poder são o cobre, o latão, o bronze e o ouro.
Já o elemento branco, encontra-se nas secreções do corpo: esperma, leite, saliva e também no plasma do Caracol Eigbin, que é a alimentação favorita de Oxalá. Quanto ao branco de origem vegetal, se encontra na seiva das árvores e nos derivados alcoólicos, também na manteiga vegetal (ORI), no algodão, no inhame, na farinha de mandioca. Os metais que correspondem ao elemento branco são: a prata, o chumbo, o estanho. Um dos elementos mais destacados é a “pemba branca”. E, por fim, o elemento que melhor caracteriza o sangue branco é a água.
O elemento preto é tirado das cinzas dos animais sacrificados e calcinados. Todos os sucos vegetais escuros (mieró, amaci) entram nesta categoria, pois o verde é considerado uma variedade da cor preta. Assim, também, o azul escuro. Entre os minerais, o carvão, o ferro são portadores do elemento preto e a terra, da mesma forma.
Tudo o que existe para poder realizar-se, deve receber AXÉ. A combinação destes três elementos, o branco, o vermelho e o preto, conferem significados funcionais, desde que em conjunção com o sacerdote, devidamente preparado. E para obter-se a indicação dos elementos que devam ser utilizados, só através dos búzios se obterá a orientação.
Mas, tal alquimia, além de complexa é por demais perigosa para qualquer um querer aventurar-se, porque os poderes que entram em ação são por demais perigosos. Por isso, uma pessoa mal preparada incorre em grave risco de lesar e ser lesada com esta força, por que sabemos, que o AXÉ é uma força, e como tal, não pode ser classificada como boa ou ruim. A regra é que toda a ação gera uma reação. Então, todo cuidado é pouco, na lida com esta força.
Todas as etapas da iniciação consistem na absorção de axé, sendo cada vez mais intensa. Esta força sagrada não é necessária apenas, pela química que falamos até agora. A própria transmissão do saber iniciático, é por si só, considerada como forma de axé.
Isso explica, em parte, porque a tradição africana é oral, quanto à transmissão de axé, porque o Babalaô fala ao seu discípulo, seu hálito lhe transmite axé. Falar em transmissão oral, é um tanto limitado. A transmissão do saber iniciático faz-se, também, por meio do canto (reza), dos gestos, da dança, da percussão dos instrumentos, do ritmo e da entonação de certas palavras com emoção que o som exprime. Tudo isto é AXÉ.
Por isso, o Axé não deve ser profanado. De que forma pode-se profanar o axé?
Verbalizando nomes de Orixás a esmo (tanto nome, como sobrenome), pronunciar rezas sem estar no ritual, falar sobre a possessão (“se ocupa” ou “não se ocupa”). Isto também é, no meu entender, um axé, que é uma relação íntima entre o filho e o seu Orixá, não deve ser falado. O fenômeno por si só, explica tudo, Tem uma frase que diz: “se as palavras são de prata, o silêncio é de ouro”. Não é por acaso, que tudo aquilo que tem mais valor sagrado e de que não se deve falar, é dito ser um fundamento. Uma coisa é ler sobre algo sagrado, outra coisa é pronunciar este algo. O verbo tem muito poder, porque por si só, já faz parte do axé. E, também, por isso, não podemos nos iniciar por livros; se faz necessário, a interação do filho com o Pai de Santo, numa constante ligação de transmissão de axé.
Outro espaço de muito AXÉ que é uma extensão do Pará ou Quarto de Santo é a Cozinha de Santo, porque é da mesma forma, um lugar sagrado. E aqui posso citar Raul Londy, em seu livro “Santo também come”, onde diz: “é por meio da alimentação comum dos Orixás e de seus crentes, que o culto tem assegurado sua sobrevivência”. A cozinha dos Orixás é algo por demais sagrado.
E no ser humano aonde percebemos o AXÉ?
Todo aquele que é portador do AXÉ, logo também é transmissor, concentra AXÉ em sua egrégora. A simples presença da pessoa portadora de AXÉ, pode harmonizar um ambiente, afastar obsessores e causar melhoras num doente ou, até mesmo, cura-lo com sua presença. Também no olhar, que se apresenta como transmissor de energia. Na voz, que através de preces ou cânticos, pode transmitir AXÉ, pelas mãos, através do toque (aqui, novamente, entra os aspectos terapêuticos).
Resumindo, a pessoa portadora de AXÉ sempre causará um impacto no ambiente no qual se encontra, seja por uma destas características isoladas ou todas juntas.
Quando falo em pessoas portadoras de AXÉ, quero fazer uma analogia com os médiuns (todo ser humano é um médium em potencial).
O AXÉ do templo: a força do templo vem através do plantio da semente, onde estão presentes os elementos branco, vermelho e preto. O alicerce maior ou essencial do terreiro reside no seu próprio AXÉ. E a essa força fundamental adiciona-se a dos Orixás que nele são venerados.
Cada vez que novos membros recebem a força sagrada na iniciação, aumenta o potencial energético de toda a sua comunidade. O templo cresce, fortifica-se, tornando-se cada vez mais poderoso a seus membros, que em troca, vão pela sua própria força ampliar o potencial de energia sagrada do terreiro. Lembramos que uma coisa é o AXÉ pessoal, outra é o AXÉ do templo. Por isso a importância da continuidade do templo.